Pandemia cria oportunidades regulatórias para o setor de produtos de limpeza
Empresas com novas tecnologias também precisam considerar circunstâncias que não estão claramente contempladas na legislação
Por Estela Mendonça, Household Innovation
Os produtos de limpeza assumiram importância fundamental na contenção da transmissão da Covid-19. Tanto, que com o surgimento dos primeiros casos no Brasil, em março de 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) priorizou a análise de processos de registro de géis antissépticos para mãos, água sanitária e desinfetantes de uso geral e hospitalar.
Embora os requisitos para regularização dessas categorias de produtos devam ser atendidos integralmente, esforços foram feitos para reduzir o tempo das análises. “Os primeiros registros sob esta priorização levaram de 15 dias a um mês para aprovação. Com a sobrecarga de processos, eles passaram demorar de 2 a 3 meses. Mesmo assim, antes da pandemia, o tempo médio de registro de desinfetantes era de cerca de 5 meses”, comenta Georgia Candido, responsável pela área de Saneantes da Vigna Brasil, empresa de consultoria em assuntos regulatórios e estratégicos para empresas de diversos setores, incluindo cosméticos e saneantes.
Alta demanda
Os números da Nielsen confirmam a alta da demanda no período. Em apenas uma semana, entre os dias 16 e 22 de março de 2020, os desinfetantes tiveram alta de 80,3% nas vendas em relação à semana anterior, atrás apenas do álcool de limpeza (96,6%). Outros itens da cesta limpeza acompanharam a alta: água sanitária (54,4%), detergentes líquidos (52,2%), concentrados de limpeza (43,2%) e detergente em pó (40,3%).
A Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes de Uso Doméstico e de Uso Profissional (Abipla) também divulgou dados que dão conta da elevação da produção do setor, que cresceu 5,9% de janeiro a julho de 2020. Antes da pandemia, as estimativas da entidade eram de crescimento entre 3% e 3,5% no ano.
Álcool 70% liberado
No início da pandemia, a Anvisa também autorizou a comercialização de álcool 70% líquido em embalagens de até 1 litro para o público em geral. Georgia lembra que a venda livre desse produto foi proibida em 2002, devido ao grande número de acidentes domésticos. Além disso, empresas com licença para produção de desinfetantes, cosméticos e medicamentos podem, até que seja declarado o fim da emergência sanitária, produzir e comercializar álcool gel 70%, sem prévia autorização da Anvisa, mas obedecendo aos critérios de qualidade técnica estabelecidos pela Agência, que foram adotados pela maioria das vigilâncias sanitárias locais.
“Com o aumento das vendas de álcool gel, houve escassez de matérias-primas, levando a Anvisa a permitir para que as empresas licenciadas a substituição por insumos que tivessem a mesma função farmacotécnica e garantissem a mesma eficácia e estabilidade ao produto”, conta Georgia. Visando também fornecer alternativas ao uso de produtos à base de álcool, a Anvisa publicou, em abril, uma série de recomendações sobre produtos saneantes que podem substituir o álcool 70% na desinfecção de objetos e superfícies durante a pandemia da Covid-19.
De acordo com a agência, estudos mostram que desinfetantes domésticos comuns, incluindo sabão ou uma solução diluída de alvejante, podem desativar o novo coronavírus em superfícies, uma vez que o vírus é envolto por uma membrana lipídica que é destruída por esses produtos. Como produtos alternativos ao álcool 70% na desinfecção de objetos e superfícies, a Anvisa recomendou: hipoclorito de sódio a 0,5%, alvejantes contendo hipoclorito (de sódio, de cálcio) a 2-3,9%, iodopovidona (1%), peróxido de hidrogênio (0,5%), (ácido peracético (0,5%), quaternários de amônio como cloreto de benzalcônio (0,05%), compostos fenólicos e desinfetantes de uso geral com ação contra vírus.
Oportunidade de mercado
Para aproveitar a demanda criada pela pandemia, muitos fabricantes passaram a lançar novos produtos focados na desinfecção. Gigantes do setor lideraram este movimento, com o lançamento de diversos produtos como, por exemplo, álcool 70% e desinfetantes na formulação de lenços umedecidos e aerossóis, para trazer mais praticidade ao consumidor no momento de realizar a desinfecção de ambientes e objetos. Além disso, muitas marcas já consolidadas no mercado, que não tinham desinfetantes em seu portifólio, investiram no lançamento de novos produtos e reforço dos claims de desinfecção”, lembra Georgia.
Por outro lado, uma série de técnicas e tratamentos foram apresentados com a promessa de combater novo coronavírus, como ozônio, raios UV, cabines e túneis de desinfecção e até robôs desinfetantes.
Eficácia em cheque
Georgia alerta que, embora muitas empresas realizem estudos e testes que aleguem a eficácia de seus produtos, o sonho de emplacar seus lançamentos, entretanto, pode vir por água abaixo ao serem colocados em dúvida pelas agências regulatórias. Muitas notas técnicas da Anvisa foram emitidas nesse sentido e a mais recente delas, publicada em novembro (NT 108/2020), dispõe sobre o uso de ozônio como desinfetante. De acordo com o documento, uma revisão de dados de estudos nacionais e internacionais concluiu que não foram apresentadas evidências científicas relacionadas à eficácia desinfetante do ozônio contra o vírus. Além disso, alerta que o uso do ozônio tem potencial de causar danos à saúde.
Anteriormente, em agosto de 2020, a Anvisa já havia se manifestado sobre o uso da radiação UV no combate à Covid-19, com a publicação de nota técnica (NT 82/2020) que concluiu que só foram encontradas evidências de eficácia do uso destas tecnologias para desinfecção em condições muito específicas e controladas quanto à área irradiada, ângulo de exposição, intensidade e dose de radiação, sobre superfícies lisas e limpas. A agência também não recomendou o uso de equipamentos de UV para desinfetar as mãos ou outras zonas da pele, pelos potenciais efeitos adversos.
A agência também já havia divulgado em maio outra nota técnica (51/2020) sobre a utilização de estruturas (câmaras, cabines e túneis) para a desinfecção de pessoas. Segundo a nota, não existe, no momento, nenhuma evidência científica sobre a eficácia e a segurança desse tipo de procedimento, e um dos desafios apontados pela Vigna Brasil é a discussão dos critérios para mensurar a eficácia deste método de desinfecção, uma vez que existem muitas variantes que precisam ser observadas durante este processo. “Um problema adicional é que o uso dessas estruturas pode dar às pessoas uma falsa sensação de segurança e, dessa forma, levar ao relaxamento de práticas de distanciamento social, lavagem frequente das mãos com água e sabão, desinfecção de superfícies e outras medidas de prevenção”, observa Georgia.
Oportunidades na América Latina
Débora Leite, coordenadora da Divisão Internacional da Vigna Brasil, destaca que em outros países da América Latina também adotaram algumas flexibilizações na regulamentação de produtos saneantes neste contexto da Covid-19. Na Argentina, por exemplo, a autoridade sanitária ANMAT também estabeleceu procedimentos extraordinários para análise de registro, permitindo automaticamente a comercialização de desinfetantes se a liberação do pedido de registro não ocorresse em 30 dias. “Neste caso, o rótulo deveria incluir o número do protocolo do processo em andamento ao invés do número do certificado de registro”. No Chile, o Instituto de Saúde Pública (ISP) não emitiu regulamentações excepcionais, mas foi possível notar na prática a redução do tempo de análise de seis para dois meses para emissão de registros de desinfetantes.
A agência sanitária argentina também emitiu norma específica para incluir a alegação de eficácia contra o coronavírus no rótulo de produtos biocidas, desde que atendidos os requisitos. Débora explica que a agência considerou que qualquer produto que tivesse testes contra microrganismos semelhantes poderia exibir em seu rótulo a alegação de eficácia contra vírus da família Coronaviridae. A justificativa da agência é que o claim de ação específica sobre a Covid-19 exigiria o teste das cepas do vírus Sars-CoV-2 e, neste momento, os esforços dos laboratórios deveriam ser voltados à pesquisa para a cura da doença.
Desafios da pandemia
No contexto da pandemia, a Vigna Brasil tem dado suporte a empresas nas licenças e diversos outros serviços regulatórios. “Nossa equipe de especialistas apoiou clientes de produtos químicos na obtenção de licença para a produção e comercialização de desinfetantes à base de álcool e desinfetantes para as mãos, de acordo com a flexibilização da Anvisa”, conta Georgia, acrescentando que uma dessas empresas produziu 6 toneladas de desinfetante para as mãos, que foram doadas para instituições públicas.
Frequentemente, a empresa também dá suporte a empresas com novas tecnologias para superar situações que não estão claramente contempladas na legislação. Georgia cita um desses casos: “Apoiamos um cliente internacional no entendimento da regulamentação brasileira para comercializar máscaras profissionais e não profissionais com um tratamento antimicrobiano inovador”.
Um dos serviços prestados pela Vigna Brasil e um dos mais recorrentes na Divisão Internacional é o mapa regulatório, que inclui relatório com as informações mais importantes para uma empresa entrar em um novo mercado, com requisitos, custos e tempo para obtenção do registro. “No contexto da pandemia de Covid-19, fomos muito acionados para esclarecimentos sobre desinfetantes de superfície e desinfetantes para as mãos em diferentes países, especialmente para aproveitar algumas das flexibilizações regulatórias e a alta demanda para estes produtos”, destaca Débora. “Como a legislação é dinâmica e muito diferente entre os países, os fabricantes precisam estar bem informados, especialmente no se refere a novos produtos e tecnologias, o que ajuda otimizar tempo e investimento, além de aumentar as chances de sucesso no mercado”, completa.
A Vigna Brasil é uma consultoria com 25 anos de atuação, que presta serviços em praticamente todos os segmentos regulados do Brasil e em outros países da América Latina, atendendo as empresas nas questões estratégicas do negócio, incluindo implantação e operação nos países de interesse, registro e gestão pós-registro dos produtos. Para outras informações, visite o nosso site e entre em contato conosco! www.vignabrasil.com.br.