Indústria nacional depende de políticas para reter inovação, diz executiva da Ypê

Indústria nacional depende de políticas para reter inovação, diz executiva da Ypê

Houselhold Innovation, 24/01/2022

Para Maria Elisa Curcio, entre os gargalos estão conseguir remunerar pesquisadores e investir nos órgãos de fomento

A mobilização na pandemia pela fabricação de álcool em gel, produto que até então nunca fizera parte do catálogo da marca; o início de um novo projeto de reflorestamento no município natal, Amparo (SP); e o lançamento de um lava-louças com fórmula vegetal e apresentado como mais sustentável – toda a embalagem é feita de plástico reciclado, por exemplo. Esses são os esforços da Ypê para conectar a empresa familiar fundada em 1950 ao espírito dos tempos.

E as pressões vêm de todos os lados – de consumidores a ativistas. Para avançar, a empresa diz apostar em seguir parâmetros semelhantes aos exigidos por companhias abertas e ouvir a sociedade, enquanto precisa conciliar a característica de empresa nacional. As questões são parecidas com as da indústria nacional como um todo: desenvolvimento de novas tecnologias e inovação, sem depender de insumos importados. Para isso, demandam mais participação do setor público.

“O desafio que temos, como indústria de capital 100% nacional, é sobre quanto o ambiente brasileiro permite ou fomenta a inovação e retenção do conhecimento no país”, aponta Maria Elisa Curcio, diretora Jurídica e de Relações Institucionais da Ypê. “Nós somos hoje uma das principais empresas de higiene e limpeza no Brasil, então precisamos entender como o governo consegue nos auxiliar para desenvolver e reter tecnologia”, diz ela.

Leia a íntegra da entrevista:

Pensando na indústria em geral e também setorialmente, quais são grandes desafios a partir de 2022? Em 2021, houve um problema de crise na cadeia de suprimentos e encarecimento de matérias-primas, por exemplo.

Um gargalo e desafio para pensarmos em conjunto entre sociedade e setor público é o quanto o ambiente brasileiro facilita e fomenta a inovação. Digo a partir não só de um interesse da indústria, mas da sociedade, com fortalecimento das universidades, do fomento à inovação, tendo o Estado como parceiro. E que consigamos remunerar adequadamente os pesquisadores, investir nos órgãos de fomento, para, em parceria, desenvolver inovação e tecnologia no país.

No setor, é muito triste quando vemos a importação de produtos que não são adequados ao que o país precisa, isto é, desenvolver produtos de higiene para o brasileiro, para o tipo de ambiente, de doenças que o país tem. O desafio que temos, como indústria de capital 100% nacional, é sobre quanto o ambiente brasileiro permite ou fomenta a inovação e retenção desse conhecimento no país.

Pelo que diz, a chamada “fuga de cérebros”, em que cientistas brasileiros emigram por falta de condições de pesquisa no Brasil, seria um problema também para a indústria?

Não estou nem falando só da fuga de pesquisadores, mas da pesquisa de bancada, aquilo que a empresa faz dentro de casa. Na Ypê, desenvolvemos nossas formulações em parceria com pesquisadores. Então, é preciso pensar como criar políticas públicas e parcerias que sejam estruturantes em inovação para a indústria nacional ser cada vez mais forte e pujante. Como queremos continuar protagonistas da nossa área, precisamos sempre trabalhar em colaboração.

Qual é o lugar que as empresas devem ocupar na construção de políticas públicas? Haveria um papel necessário?

Acredito em um processo participativo, em que a sociedade trabalhe junto com os órgãos reguladores para uma norma que seja a melhor para o desenvolvimento da sociedade, do meio ambiente. A Ypê trabalha sua área de relações institucionais nesse sentido, com menos pautas individuais, e sim que sejam boas para o setor, a indústria brasileira e a sociedade.

Sem cidadãos que façam valer seus interesses, não existe política pública legitima. É algo muito em conjunto. Temos pautas setoriais que atuamos junto com associações, como mudanças nas embalagens, redução do efeito estufa, o impacto das empresas nas comunidades, carga tributária, como valorizar a indústria nacional. Nós somos hoje uma das principais empresas de higiene e limpeza, então precisamos entender como o governo consegue nos auxiliar para desenvolver e reter tecnologia no Brasil.

Para avançar, seria preciso estar sempre à frente dos reguladores ou até das demandas do consumidor médio, não só cumprindo obrigações? E quais as dificuldades para dar um passo a frente na cadeia como um todo?

A Ypê tem uma estratégia muito forte de ser líder e protagonista dentro das suas ações e crenças. A ideia é trabalhar em parceria por um bem comum. Um exemplo é o consumo de água, que é uma questão muito importante para o setor de produtos de higiene e limpeza no Brasil. Por isso, trabalhamos muito o tema de produtos concentrados.

Em outros casos, se trata de cumprir a regulamentação, não é fazer o bem. A biodegradabilidade dos produtos é algo que a Anvisa já protagoniza há bastante tempo e, hoje, é requisito legal, por exemplo.

Olhamos a sustentabilidade do negócio frente ao que a sociedade precisa naquele momento. O álcool em gel não era um produto nosso e, de repente, criamos um produto para chegar às comunidades. Dentro dessa linha, a construção da política pública é muito do que o país precisa em certo momento. No início da pandemia, era preciso que o produto chegasse à ponta, e atuamos nesse sentido.

O aumento do ativismo ambiental e social provoca a empresa a atuar mais para fora do negócio? Um caso modelo que já é longevo foi a parceria com a ONG SOS Mata Atlântica para reflorestamento. Isso tende a ficar mais forte?

Quando falamos dessa evolução social do ativismo social e ambiental, não conseguimos atacar ou escolher muitas frentes, porque precisamos ser excelentes. Nossos planos estratégicos de impacto e de negócio são paralelos. Anualmente, atualizamos como atuar frente aos principais stakeholders que, naquele momento, fazem mais sentido. Nosso conceito de comunidade é bastante amplo, qualquer que esteja em contato com a Ypê de alguma forma.

Mais recente é o projeto de reflorestamento de bacias, que começamos com o Rio Camanducaia [que corre por Minas Gerais e São Paulo], com parceiros locais, que vem ao encontro de como podemos trabalhar dentro de causas e pautas que fogem dos negócios e não se restringem ao ambiental, são maiores do que isso.

Como essas ações se encaixam na estratégia empresarial, especialmente de relações institucionais?

Queremos atuar como protagonistas nas nossas estratégias de negócio com impacto positivo. Nesse aspecto, a área de relações institucionais não deve ser uma área de marketing social, e sim de estratégia e inovação dentro do negócio. Na perspectiva da governança, a área faz parte da estratégia de negócios, e não respondendo por um trabalho de contar coisas bonitas e esconder as feias.

Os próximos passos dessa estratégia são a inauguração de uma fábrica em Pernambuco, onde trabalhamos com parceiros locais com pensamento inovador; a expansão de um centro de distribuição; o amaciante transparente que foi lançado recentemente e o lava-louças Green, produtos mais sustentáveis.

E como não fazer marketing social quando se quer ser uma empresa que foca em impacto?

Fazemos muito mais do que contamos. A Ypê é uma empresa muito do fazer e pouco do contar. Não tem nada de errado nisso, tem a ver com a forma como atuamos no mercado.

Diferentes pesquisas com consumidores mostram a percepção de a Ypê ser uma marca ética e sustentável. O que acredita ter levado a esse reconhecimento de empresa engajada?

Nos três pilares do ESG, temos ações que remontam há muito tempo. Nosso projeto de plantio de mudas em parceria com a SOS Mata Atlântica é bem antigo, a substituição de resina das nossas embalagens por reciclada, a redução de 50% das emissões de gases de efeito estufa de 2018 para 2019. São temas que mostram que a empresa trabalha dessa forma há muito tempo. Na década de 1970, uma de nossas unidades fabris já usava sistema de reuso de chuva para a produção. Nossos projetos sociais também não começaram ontem. Em Amparo, a Ypê tem uma organização de educação com mais de 40 anos.

Ainda somos uma empresa limitada com governança como de uma empresa de capital aberto, com conselho de administração com 50% dos conselheiros externos, três mulheres entre oito conselheiros. Em ética e compliance, atuamos contra práticas antiéticas com stakeholders de modo geral, não apenas com o setor público. Recentemente, estar presente entre empresas Pró Ética [premiação da Controladoria Geral da União a empresas por seus esquemas de compliance] foi uma iniciativa de reconhecimento da sociedade desse trabalho.

Falando mais sobre relações governamentais, neste ano, quais são os temas mais caros para o setor e para a indústria? O que se espera de reguladores, Congresso e governo?

Da forma como o governo conseguir nos ajudar a reduzir custos de matéria-prima e ineficiências do sistema produtivo, para que tenhamos uma indústria mais leve e eficiente. Quando se gera custo no elo anterior, é impossível não repassar em preço, que gera inflação. Para o nosso setor, que é tão essencial, aumentar preço significa fazer com que a população tenha menos acesso a produtos de higiene básica.

A nossa estratégia em relação ao Legislativo é muito de pautas do setor, como circularidade de embalagens, economia circular, produtos concentrados e economia de água. Também temos pedido muito que se olhe para greenwashing, para que o governo e a sociedade estejam atentos às diferenças entre o que o produto entrega e que a empresa faz, e aquilo que é vendido além da verdade. Contar que faz o que a lei manda não deveria ser diferencial.

Qual seria um bom modelo para evitar esse tipo de greenwashing, que é uma questão para a indústria, já que o consumidor precisa confiar nos rótulos?

Uma tendência global é a chamada convergência regulatória, em que se trabalha os rótulos para que eles sejam conversáveis numa economia que é cada vez mais internacionalizada. O trabalho é para trazer rótulos cada vez mais simples com o que de fato o consumidor precisa saber.

É importante que o consumidor tenha acesso à informação, mas tudo isso polui o rótulo. Muitas vezes a boa intenção acaba trazendo confusão, como desenhos e pictogramas que o consumidor nem entende, mas a legislação pede que a gente coloque. É preciso bater o olho e conseguir entender.