Túneis de desinfecção são adotados em cidades do Brasil: equipamentos tem alguma utilidade contra COVID-19?

Túneis de desinfecção são adotados em cidades do Brasil: equipamentos tem alguma utilidade contra COVID-19?

Rodrigo Castro, Época, 14/05/2020 – 08:07 / Atualizado em 14/05/2020 – 11:14

Cada vez mais disseminadas para prevenção da doença, as câmaras não foram recomendadas pela Anvisa e por associações; substâncias empregadas podem implicar efeitos colaterais à saúde

Um túnel de desinfecção com três metros de comprimento e capacidade de mil litros da substância hipoclorito de sódio – matéria-prima da água sanitária – foi instalado na última segunda (11) no município de Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana de Pernambuco. A iniciativa visa à higienização das pessoas como prevenção ao coronavírus e tem se espalhado pelo Brasil.

Especialistas e órgãos sanitários, no entanto, questionam a eficácia da medida e alertam para possíveis efeitos colaterais provocados pelo contato entre os compostos químicos empregados e a pele, ou mesmo pela inalação, a depender do produto. As substâncias são pulverizadas enquanto as pessoas atravessam as cabines de desinfecção por cerca de 15 a 20 segundos.

Para a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, os cuidados individuais de higiene e os investimentos em equipamentos de proteção devem ser priorizados, já que não há evidências que garantam a utilidade e a segurança nesss câmaras de desinfecção.

“Não adianta ter esses túneis e esquecer a higiene das mãos. Não temos uma comprovação de que isso de fato funcione e, por outro lado, a gente tem o receio de uma possível toxicidade ao inalar essas substâncias químicas que podem estar lá”, alerta.

Richtmann salienta que a instalação em locais públicos é bem diferente de hospitais, onde os médicos estão devidamente paramentados. Destaca ainda que os custos da máquina, que chegam a superar R$ 100 mil em alguns casos, poderiam ser melhor alocados. “Prefiro muito mais que invistam em EPIs para meus profissionais do que numa câmara para desinfecção e deixem de dar a paramentação e o treinamento adequados”, afirmou.

“Uma coisa é a nível hospitalar, a quem está numa ambulância ou em ambientes fechados com pacientes, que podem ter contaminação com a superfície da roupa. Mas, para a população como um todo, em locais públicos, eu não faria isso enquanto não tivermos uma evidência melhor da eficácia e principalmente da segurança”, concluiu a infectologista.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu, no último dia 7, uma nota técnica em que não recomenda o uso dos túneis de desinfecção por pessoas, citando inclusive a inexistência de orientações para a prática por parte de órgãos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Não foram encontradas evidências cienficas, até o momento, de que o uso dessas estruturas para desinfecção sejam eficazes no combate ao SARS-CoV-2, além de ser uma práca que pode produzir importantes efeitos adversos à saúde”, diz a nota. “Tecnicamente, a duração do procedimento, entre 20 e 30 segundos, não seria suficiente para garantir o processo de desinfecção”, acrescenta.

Entre os possíveis impactos à saúde, a Anvisa cita reações alérgicas, irritação na pele, no nariz, na garganta e no trato respiratório, que podem ser causados por substâncias como o hipoclorito de sódio, o peróxido de hidrogênio, quaternários de amônio e ozônio, por exemplo.

Por isso, a estrutura de desinfecção, segundo a agência, só deve ser usufruída por profissionais com roupas herméticas e EPIs – capazes de evitar o contato com pele e mucosas -, mas reforça que isso não substitui as recomendações para retirada cuidadosa dos equipamentos após seu uso.

Em comunicado, o Conselho Federal de Química (CFQ) e a Associação Brasileira de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes (Abipla) corroboraram com o posicionamento da Anvisa. Orientam que a população não se exponha às câmaras de desinfecção e que empresas e o poder público posterguem a aquisição desses equipamentos.

“A falsa sensação de segurança que tais dispositivos eventualmente proporcionam pode levar as pessoas a relaxarem nos procedimentos básicos e já consagrados para reduzir o risco de contaminação pela Covid-19”, ressalta o comunicado.

De acordo com o diretor-executivo da Abipla, Paulo Engler, produtos de limpeza não devem ser aplicados na pele.

“O que nos chamou atenção foi a composição do produto que está sendo usado nessas câmaras. Produto de limpeza não é para ser usado na pele. Esse é o nosso receio. Há uma regulamentação sobre câmaras desse tipo, porém, para uso médico e com o equipamento de proteção individual. Ela serve para desinfecção dessa vestimenta, não recai sobre pele e mucosas das pessoas”, disse.

A associação, segundo Engler, já oficiou, após notícias divulgadas pela imprensa, quatro municípios – Osasco (SP), Guarujá (SP), Aracruz (ES) e Concórdia (SC) – mas não obteve retorno das prefeituras. O pedido é para suspenderem a prática enquanto não há informações suficientes sobre a segurança dessa medida. “Fazer isso de improviso é um grave perigo à saúde pública”, afirmou.

Em Jaboatão dos Guararapes, o túnel foi instalado em frente ao Mercado da Mangueira, um dos pontos com maior fluxo de pessoas durante a pandemia. As pessoas que querem entrar no mercado foram orientadas a passar pela câmara, segundo a comerciante Gilvaneide Basílio, de 31 anos, que trabalha no local. Embora tenha aprovado a medida, ela conta que algumas pessoas relutaram em atravessar o equipamento.

“Teve gente que só passou porque precisava para entrar. Tem outra entrada, mas só para descarga de mercadoria. Por isso, às vezes fica até com uma fila pequena”, contou.

De acordo com a prefeitura, o equipamento foi doado e outros já estão sendo instalados nos mercados públicos, Complexo Administrativo da Prefeitura, Palácio da Batalha e Hospital de Campanha. A decisão, informou, se baseia em “parecer da Superintendência de Vigilância em Saúde e da Gerência de Vigilância Ambiental, que considera que a OMS recomenda o uso de hipoclorito de sódio a 0,5% para desinfecção de diversos produtos, inclusive água para consumo humano”.

Em nota, a prefeitura disse ainda que as pessoas são orientadas a usar máscaras ao passar pelo túnel e que é feita a entrega gratuita àqueles que não têm a proteção. A princípio, as máquinas devem continuar em operação até o fim da pandemia.

Municípios em todo o páis aderiram à iniciativa também observada ao menos na China e na Índia, onde o Ministério da Sáude emitiu um alerta sobre os prejuízos que os túneis poderiam causar. Imediatamente, cidades e empresas retiraram os equipamentos, segundo jornais locais. No Brasil, São Mateus, no Espírito Santo, voltou atrás após a publicação da nota da Anvisa. Uma empresa de Aracruz também cedeu às recomendações. As cabines de desinfecção ainda foram vistas em municípios como Rio de Janeiro, São Paulo, São Gonçalo (RJ), Sorocaba (SP) e Serra (ES).

Os túneis de desinfecção são anunciados na internet por algumas empresas brasileiras, a maioria com equipamentos infláveis. De modo geral, as companhias fabricam a estrutura e as substâncias ficam a cargo de laboratórios parceiros. Tanto o material usado como as medidas do aparelho podem variar. Segundo a Anvisa, as empresas não precisam de regulamentação junto à agência para produzirem as câmaras.

Uma das que está desenvolvendo o equipamento é a Fornari Indústria, sediada em Concórdia (SC). A companhia é especializada em soluções para o agronegócio, mas vem ampliando o portfólio de aparelhos desinfetantes. A adaptação para máquinas voltadas a pessoas surgiu depois de um pedido de um cliente da Argentina, atendido após testes laboratoriais e pesquisas.

“Para realmente ver a eficiência de um equipamento, primeiro você tem que ter certeza sobre o produto que está aspergindo na pessoa, se ele está dosando, se o equipamento tem um controle dentro da quantidade que você quer e certeza da área que está abrangendo”, explica a presidente da empresa, Luciane Fornari.

Segundo ela, a empresa desenvolveu, inicialmente, um protótipo e conduziu testes em laboratórios da Unimed e da Embrapa. Há cerca de 40 dias, também iniciou estudos junto à Universidade de São Paulo (USP) e à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Ao contrário da maioria dos casos de túneis em operação no Brasil, a empresa recomenda o uso de um cosmético antisséptico validado pela Anvisa e produzido por um parceiro.

A câmara da Fornari Indústria é feita com aço inox e acrílico, para facilitar a higienização, e conta com pedilúvio e bacia coletora, uma espécie de caixa com soluções desinfetantes com o intuito de remover microorganismos das solas dos sapatos. “Ela deve ser higienizada todos os dias, senão vira um foco de contaminação”, afirma Fornari.

A empresária analisa como positiva a nota da Anvisa referente aos equipamentos de desinfecção. “Você realmente precisa saber o que está aplicando na sua pele”, justifica Fornari. Na próxima semana, sua companhia vai encaminhar à Anvisa os resultados já obtidos em seus testes e estudos. Mesmo sem o consenso das autoridades sanitárias e de especialistas por enquanto, ela sentencia: “É um produto que veio para ficar”.

Fonte: Época